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Como tantos jovens da sua geração, também Pedro de Sousa percorreu o caminho da emigração e do exílio dos anos 60 e 70. Mas cada um desses percursos era pessoal e intransmissível: uns por razões económicas, outros por razões políticas, outros enfim para fugir à guerra colonial, motivos não faltavam então para um jovem inconformista se refugiar no estrangeiro, concretamente em Paris.


No caso dele, estudante de Belas Artes, tivera oportunidade de participar na agitação estudantil de Outono de 1968, que teve na Escola de Belas Artes de Lisboa um forte eco desse movimento de extraordinária rebeldia que sacudira a França no mês de Maio. E bem antes disso, embora muito novo, já assistira em Luanda, ao desencadeamento da guerra de Angola. Tudo concorria, pois, para a decisão de abandonar Portugal.

Chegou assim a Paris em Setembro de 1970, onde se juntou, com a sua experiência pessoal, às dezenas de milhar de jovens portugueses que então se refugiaram em França. E como tantos outros, fez pela vida, trabalhando como operário, ao mesmo tempo que reatava, um pouco mais tarde, com a sua vocação de pintor, inscrevendo-se nas Belas Artes de Paris. Entretanto, por intermédio de amigos comuns, entrou em contacto com o grupo de exilados – do qual eu também fazia parte – que na altura publicavam os Cadernos de Circunstância. Algum tempo depois do 25 de Abril, como muitos de nós, fez o caminho inverso e regressou a Portugal, onde prosseguiu a sua guerra particular contra a acomodação.

Do que me lembro e fui depois sabendo dele, Pedro de Sousa fica para mim – pelo seu trabalho como artista e professor, mas também como pessoa – como um representante incorrupto do radicalismo dessa geração de jovens que deixaram o Portugal da ditadura e da guerra colonial para apenas conhecer a França como exilados e, finalmente, para lutar pela renovação de um país que, apesar da revolução de 74-75, teimou e teima em mudar menos do que esses jovens legitimamente ambicionavam.

Como tive oportunidade de escrever recentemente, a propósito do Grupo KWY, que renovou a arte portuguesa em Paris dez anos antes de Pedro de Sousa lá chegar, a geração dele ficou marcada por um radicalismo existencial, uma revolta contra a “falta de ar” em que tinha crescido, que não podia satisfazer-se nem com a pura experiência estética nem, muito menos, com formas de actividade política que o Maio de 1968 tornara de algum modo ultrapassadas, inadequadas à utopia de “mudar a vida”. Em suma, cada jovem dessa geração teve de carregar sozinho com todo o peso a rebeldia de uma época única

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Com efeito, conforme o temperamento de cada um, a experiência da expatriação tem sempre algo de especial. Retrospectivamente, é fácil de entender o teor radical, híper-crítico, do fervilhar agitado e grupuscular dos expatriados portugueses, sobretudo em Paris. Além de acompanhar o “espírito do tempo”, esse radicalismo dos anos do exílio era, na realidade, directamente proporcional à violência pessoal da partida. Como se o corte com Portugal tivesse sido demasiado penoso, simultaneamente, para romper de todo com as memórias do país mas também para se integrar desinibidamente em França.

No limite, a maioria dos expatriados portugueses, que se espalharam pela Europa até ao começo dos anos Setenta, precisamente porque ficou prisioneira das suas motivações primordiais, levou consigo o país que havia deixado e nunca chegou a libertar-se dele, se é que alguma vez desejou isso. Viajou mas não saiu completamente de Portugal. Ficou entre duas portas, sem identidade bem definida. Por isso, talvez, o contributo desta geração acabou por se diluir sem deixar uma marca colectiva própria do exílio na nova vida cultural portuguesa. E foi oena, pois ter-lhe-ia acrescentado qualquer coisa de novo.

Não sei se estou realmente a falar de Pedro de Sousa ou apenas de mim e de outros companheiros dessa época. Sem nostalgias despropositadas, quero no entanto reconhecer no incansável experimentalismo estético e na permanente vontade transformadora de Pedro de Sousa a marca inapagável, mas também insatisfeita, dessa geração que atravessou o fim da ditadura, a experiência do exílio e as esperanças do 25 de Abril. É um condensado insubstituível que não se pode perder e que justifica, por si só, esta homenagem a um amigo e a um artista prematuramente desaparecidos.

Manuel Vilaverde Cabral

Breve Memória de um exílio comum
Manuel Vilaverde Cabral

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