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Não tenho a pretensão de poder escrever sobre a obra do Pedro. Para além da minha falta de competência, a proximidade entre os dois sempre me dificultou a expressão de uma opinião quando ele ma solicitava. Há, no entanto, um conjunto de dados referentes à sua posição face ao mundo da Arte, ao seu trabalho e à pintura que posso transmitir.

A angústia que se desprende do seu trabalho é real. Ele próprio descreveu, em entrevista a Rui Mário Gonçalves, que os anos de presença na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, foram anos de grande confusão pessoal. Anos em que coleccionou os argumentos contra a Arquitectura, mas também, anos em que a sua visão heróica da posição do artista face à sociedade se confrontou com a leitura de revistas como os Temps Modernes e com os ecos de correntes político-artísticas como o Situacionismo.

Ainda que pouco depois da sua chegada a Paris tenha abandonado quase completamente a luta política e que o permanente diálogo com o património acumulado em museus, a frequência de exposições e a sua sede de leituras, o tenham afastado formalmente do movimento situacionista e dos seus pressupostos, a sua posição perante o mundo da Arte da Arte permaneceu a mesma.

Interessou-se sempre pelos problemas da marginalidade e da repressão. Se Sartre, Simone de Beauvoir e Merleu-Ponty estiveram entre as suas leituras de cabeceira em Portugal, Focault foi naturalmente um autor que o apaixonou em Paris.

O regresso a Portugal foi muito doloroso. Em Paris encontrara em Michel Carrade e Jean-Pierre Marchadour mestres à altura da sua exigência de rigor técnico e pessoal. A permanência da sua ligação à pintura figurativa encontrava-se perfeitamente inserida numa corrente que sendo minoritária era visível em exposições- Ter-lhe-ia sido muito mais fácil encontrar um caminho em Paris. A situação material não lhe permitiu fazer essa escolha.

Em Lisboa estava totalmente isolado. Quando em 1978 fez a sua primeira exposição individual na Galeria de São Francisco esse isolamento não tinha sido ultrapassado. A escola impôs-se como caminho e como paixão. Levou demasiado a sério o seu estágio pedagógico e foi ao fazê-lo que tirou as fotografias a que Francisco Bronze atribui tanta importância.

Essas fotografias, das margens do próprio subúrbio que é Almada, exprimem a sua teoria da posição marginal do artista na sociedade. Foram evidentemente muito importantes como material para o seu trabalho. Muitos dos pormenores dos seus quadros correspondem a fotografias. O Pedro comprava revistas de fotografia e coleccionava, sistematicamente, as fotografias dos jornais que colava em fichas.

Nessa perspectiva a IMARGEM apareceu-lhe como um espaço que se devia reclamar da marginalidade e de uma modernidade extrema. A sua posição era simultaneamente radicalmente democrática e elitista porque baseada numa grande cultura.

A pintura sempre foi o seu fim último. A facilidade com que podia repetir ao infinito e com grande mestria os minuciosos desenhos acabou por o cansar. Foi aí que, partindo dos desejos de ilustração de textos de amigas, desenvolveu as suas belas xilogravuras.

Na pintura não era ao desenho que estava preso e nisso penso que Francisco Bronze não tem razão. Aquilo que o preocupava era a composição. Tudo na sua pintura é, como exprimiu na entrevista ao JL, excessivamente composto. A própria cor obedecia a uma laboriosa composição em que a tonalidade, a saturação e os valores obedeciam a regras. Essas regras, por muito estranho que pareça, reflectiam a influência de um pintor abstracto, Michel Carrade.

É bem verdade que não conseguira ainda que a angústia que se apoderava dele quando se sentava face ao cavalete e o impedia de acabar uma parte dos quadros, desaparecesse. Mas o caminho estava aberto e era o fim do seu isolamento artístico.

Não posso deixar de referir como o contacto com o escultor Pedro Rosado foi positivo desse ponto de vista. Ele deu-lhe uma confiança que lhe permitiu ver uma inserção dos seus desenhos numa estética mais conforme com o actual mundo da Arte. Pedro Rosado considerou as suas xilogravuras como o aspecto mais original do seu trabalho.

Para tudo isto foi fundamental o facto de se ter tornado professor na ESADE de Caldas da Rainha. Inveterado utopista viu, no lançamento desta Escola, a possibilidade de um ensino diferente. Empenhou-se num total envolvimento com os jovens estudantes e como seria de esperar esbarrou na ignorância, no conservadorismo e no comodismo dos seus colegas. As Caldas são um local de produção de ortodoxia e não se pode pensar uma escola olhando a Bauhaus nesse meio.

A desilusão e o stress que a derrota provocou foram demasiado fortes para que os pudesse suportar e cortaram o caminho, que em, termos artísticos se estava a abrir.

 

Magda Pinheiro

Nota sobre o percurso artístico de Pedro de Sousa
Magda Pinheiro

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